Mulheres no automobilismo: A corrida por espaço
Única mulher engenheira da Stock Car acredita que presença feminina nos pódios e nas oficinas será maioria, com o passar do tempo
Os esportes a motor sempre foram, majoritariamente, praticados por homens. Assim, toda vez que uma mulher tentava se inserir nesse mundo – e felizmente muitas vezes conseguia -, era alvo de piadas machistas e de assédio. Maria Teresa de Filipis foi a primeira mulher a pilotar um carro de fórmula 1, em 1959. Desde então, apenas onze mulheres foram contratadas como pilotas e conquistaram esse espaço. Atualmente, algumas mulheres já são contratadas como pilotas de teste ou para engenharia, mas essas contratações representam um percentual muito pequeno para mulheres de grandes competências.
Se é raro encontrarmos mulheres pilotando e competindo nos GPs de Fórmula 1, quem dirá engenheiras mecânicas dentro das oficinas. Em 2019, o piloto Lewis Hamilton convidou para o pódio a engenheira de motor de seu carro, Marga Torres, e surpreendeu a todos. O acontecimento serviu de lembrete para recordarmos que as mulheres estão cada vez mais presentes no mundo do automobilismo. No entanto, em decorrência das barreiras sociais e de gênero, ainda existem muitas oficinas sem nenhuma presença feminina, reforçando o machismo no mundo dos esportes a motor.
No Brasil, o cenário representa um retrocesso ainda maior, já que não há nenhuma mulher na equipe de engenharia dos pilotos brasileiros da Fórmula 1, muito menos pilotas concorrendo aos GPs. Na Stock Car, uma competição cuja categoria se difere da F1, são observadas apenas duas mulheres no panorama de engenheiras e pilotas da competição. Bia Figueiredo, a piloto da Ipiranga Racing, e sua engenheira, Rachel Loh, são as únicas mulheres na maior categoria do automobilismo brasileiro.
Em entrevista exclusiva à Balconista S/A, Rachel Loh, engenheira mecânica formada pela UFF (Universidade Federal Fluminense) e única engenheira mulher da Stock Car Brasil revela que, embora adorasse brincar com carrinhos, escavadeiras e alavancas quando era criança, não imaginava que iria se encontrar no automobilismo, muito menos que o universo dos esportes a motor seria um nicho tão fechado para mulheres. Bia Rodrigues é a única piloto com quem já trabalhou em 15 anos de Stock Car.
Foi só na faculdade de engenharia mecânica que Rachel descobriu sua paixão pelo automobilismo, mas antes, ela ficou abismada com a realidade que enfrentaria pelos próximos cinco anos. “Eu não sabia o que era engenharia mecânica, mas meu primeiro choque na faculdade foi que, numa turma de 60 alunos, só tinham três mulheres contanto comigo”, relata Rachel. A partir de então, ela foi, aos poucos, conquistando seu espaço desde que fundou uma equipe de Fórmula 1 na faculdade, sendo a primeira mulher a planejar, projetar e construir protótipos de carros, até conseguir entrar na Stock Car, a princípio, como engenheira de dados.
Porém, a conquista por espaço se tornou um desafio já durante a faculdade e quando começou a procurar emprego, justamente pelo fato de ela ser mulher. “Na faculdade, nunca tive problemas com meus colegas, mas sempre tinha aquele professor ou outro que olhava diferente, ou então, dizia que nós, mulheres, só estávamos ali para arranjar marido.”
Com o incentivo do pai, Rachel, participou de diversos processos seletivos de grandes empresas de engenharia. Como uma excelente engenheira, ela passava em todas as fases da seleção, mas nas últimas, no momento de conhecer os recrutadores das empresas, eles diziam o que ela já esperava: “estamos procurando um perfil mais masculino”. A resposta negativa foi um alívio para ela, já que seu sonho era trabalhar com automobilismo.
Rachel acredita que há muito espaço no automobilismo a ser preenchido por mulheres. Ao contrário do que várias pessoas defendem, a engenheira é contra os processos seletivos dedicados somente às mulheres, pois acredita que isso enfatiza a necessidade de preencher uma cota, e não enaltece a competência daquela mulher. “São atitudes simples que fazem a diferença. Se você tem dois candidatos bons, um homem e outra mulher, contrate a mulher.”
Ainda nos anos de faculdade, sua paixão por automobilismo se fez tão clara que ela sempre era convidada para os GPs de Fórmula 1 e da Stock Car, até ser contratada para ser engenheira de dados da Stock Car Brasil. Tamanha foi a conquista e a paixão pelo automobilismo, que, até hoje, ela atua como engenheira. Já são 15 anos desempenhando a profissão.
Para a engenheira, o mundo do automobilismo não se importa com gênero, mas sim, com a capacidade e competência de qualquer um que chegue lá. “No automobilismo, competência não tem gênero. A gente analisa a sua performance diante dos acontecimentos, e a forma como você lida com eles é o que te coloca lá dentro. Foi assim que eu consegui, pois viram que minha performance era boa”, conta Rachel. No entanto, ela admite que teve sorte e, até mesmo, muita coragem que, infelizmente, por diversos motivos, outras mulheres não têm.
Ainda que, de acordo com Rachel, o automobilismo considere uma boa performance acima do gênero, muitas mulheres ainda ficam de fora devido à falta de informação. Ela acredita que a dificuldade está em achar essas mulheres, na disseminação da informação sobre o curso de engenharia mecânica, áreas de atuação e, por fim, em apontar que é um caminho possível e que tem abertura para o público feminino. “Eu sinto que muitas mulheres têm medo dos obstáculos, por acharem que não vão conseguir, que não tem abertura para as mulheres ou que querem seguir esse rumo, mas não conseguem conciliar família e profissão”, relata a engenheira.
Segundo Rachel, as mulheres têm receio de seguir para o ramo do automobilismo por ser um ambiente majoritariamente masculino e passível de discursos machistas e de assédio. “Infelizmente isso está enraizado na nossa cultura. Nossa sociedade como um todo é patriarcal e machista”.
A engenheira acredita que é preciso posicionamento das mulheres para que, desta forma, elas consigam quebrar barreiras e conquistar seu espaço. Porém, Rachel reconhece que o automobilismo é um dos ramos mais difíceis emocionalmente para as mulheres, já que muitas sonham em construir uma família, mas não sabem como conciliar com a vida profissional.
Por isso, ela leva sua filha de 6 anos para ficar na oficina e, assim, passar mais tempo com a mãe e entender que aquele também pode ser um espaço para mulheres. “Essa carreira é bem peculiar devido a questão de que você passa mais tempo com a equipe, viajando, do que com a sua família. Isso também se torna um fator de impedimento para a mulher entrar nesse espaço, porque muitas têm planos de construir uma família e temem por não conseguir conciliar a família com a profissão.”
Além disso, ela defende a ideia de que todo ambiente de trabalho, sem exceção, deveria ter um espaço kids para as mulheres deixarem seus filhos enquanto trabalham, mas ressalta que é preciso planejamento econômico para construir esse espaço e a contratação de pessoas especializadas para cuidar dessas crianças.
Por fim, a engenheira acredita que a corrida das mulheres por espaço no mundo do automobilismo já começou e, com o tempo, elas chegarão nos pódios. “Eu enxergo que já existe uma consciência sobre isso pois já demos alguns passos à frente. Falar sobre esse espaço que pode ser da mulher é o que podemos fazer agora. O futuro me parece muito promissor, mas também precisamos quebrar as nossas barreiras internas e ter a consciência de que, sim, nós podemos estar onde quisermos.”
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