Christian Fittipaldi: definitivamente um grande piloto brasileiro
Por volta dos 5 anos de idade, Christian Fittipaldi frequentava pistas de corrida e encantava-se, brincando, com um carro que havia sido construído pelo próprio pai. Convivia com uma equipe de Fórmula 1 e achava, à época, “a coisa mais normal do mundo” – tanto quanto ter um pai que trabalhava no banco todos os dias. Quando completou 1 ano e, mais tarde, 3 anos, o próprio tio conquistava dois títulos no campeonato automobilístico mais aclamado do mundo.
Christian Fittipaldi, filho de Wilson Fittipaldi, sobrinho de Emerson Fittipaldi e neto de Wilsinho, o “Barão”, demorou um tempo para reconhecer a dimensão de tudo aquilo – mas, indiretamente, acabou se envolvendo com as corridas por natureza. Suas próprias disputas tomaram forma quando ele começou a correr de Kart, aos 10 anos. Permaneceu 6 temporadas nessa modalidade, conquistando 29 títulos. Em 1984, em seu primeiro campeonato mundial de kart, começou a perceber que as coisas estavam ficando sérias.
Entrou profissionalmente nesse mundo aos 17 anos, já apaixonado pela sensação de competir em altas velocidades. Em 1988, foi vice-campeão da Fórmula Ford e, logo no ano seguinte, campeão da Fórmula 3 Brasileira. Uma de suas emoções mais fortes dentro de toda a sua carreira veio a seguir: no seu ano de estreia na Fórmula 3000. Ele não só subiu ao pódio como conquistou o título. Então, o passo natural foi se inserir na Fórmula 1, onde permaneceu por 3 anos, conquistando seu primeiro ponto em uma corrida no Japão, em 1992. Ao todo, foram 12 pontos.
A Fórmula 1 lhe abriu muitas portas. Correu de Fórmula Indy, nos Estados Unidos, durante 8 anos, e teve uma passagem pela Nascar por um ano e meio. Nos últimos 7 anos de sua carreira, correu de carros esporte (sports car racing) e conta que foi uma de suas melhores experiências. Durante todo esse tempo, sempre participou das 24 Horas de Daytona, vencendo em 2004, 2014 e 2018.
No entanto, já não sentia uma vontade e uma motivação tão forte de continuar correndo. Por isso, tomou a decisão final de se afastar de sua carreira como piloto. Sua corrida de despedida aconteceu em 2019, em Daytona. Hoje, ele continua morando nos Estados Unidos e não se afastou mesmo do automobilismo, sendo diretor da equipe Mustang Sampling Racing. Ainda não tem tantos planos para o futuro, mas, por enquanto, quer continuar acompanhando as corridas de perto.
Demorou para responder em quantos países já tinha morado, depois das tantas mudanças que as corridas lhe proporcionaram. Mas afirma ser completamente a favor de cada uma delas: “foram com certeza bem positivas”. Tem uma filha de 9 anos, “o melhor acontecimento” que se deu durante todos esses anos de vitórias nas corridas, e pensa, em algum futuro, em voltar a morar no Brasil.
Durante a entrevista documentada a seguir, Christian repetiu a palavra “definitivamente” 9 vezes – e essa talvez seja a maior prova de que sua carreira teve trajetos tão certeiros, e sua cabeça continua tão firme no lugar.
– Qual a sua primeira lembrança relacionada às corridas?
Eu lembro da época em que meu pai conseguiu o carro de F1, na década de 70, e lembro de ele me levando para a pista. Eu ficava brincando com o carro, todos mecânicos, e eu sinceramente achava a coisa mais normal do mundo ter um pai que tinha uma equipe de Fórmula 1 – que tinha construído um carro de F1. Para mim, era a mesma coisa que ter um pai que vai trabalhar no banco todos os dias. Hoje em dia eu entendo toda a dimensão daquilo, mas naquela época, para mim, era estranho, engraçado, e ao mesmo tempo normal. E eu tentei curtir o máximo possível. Essa foi a minha primeira lembrança nas pistas: na metade da década de 70.
– Quando começou a correr? E quando percebeu que as corridas estavam se tornando sua profissão?
Eu comecei a correr em 1981 e acho que o que mais marcou foi quando eu participei do meu primeiro campeonato do mundo de kart, que aconteceu em 1984. Mesmo sendo criança, afinal eu tinha 14 anos, eu pensei: “uau, o negócio aqui ‘tá ficando sério”. Acho que isso foi um marco para mim, na minha carreira. Foi quando eu resolvi virar a página, e determinei que realmente ia fazer disso uma profissão.
– Como você se envolveu com a Fórmula 1?
Fui campeão de Fórmula 3000 em 1991, então eu estava em uma situação que o meu próximo passo praticamente tinha que ser entrar para a Fórmula 1. Afinal de contas, se eu continuasse na Fórmula 3000, eu tinha tudo a perder, se eu não fosse campão de novo. E se eu ganhasse de novo, já estariam esperando isso de mim. Então o próximo passo natural foi correr nessa modalidade, onde eu acabei ficando durante 3 anos.
– Apareceram muitas oportunidades depois de ter corrido de Fórmula 1?
Minha carreira tomou uma mudança drástica. Eu tive uma oportunidade muito grande de vir para os Estados Unidos correr de Indy. Resolvi fazer isso em 1995. Inicialmente, não achei que fosse ficar aqui, achei que fosse correr um ou dois anos e voltar para a F1, mas isso acabou não acontecendo. Eu acabei passando mais 8 anos correndo aqui de Indy. Depois tentei correr de Nascar, assinei um contrato de mais 3 anos, mas definitivamente as coisas não estavam indo bem. Depois de 1 ano e meio, cada um tomou seu rumo. Depois da Nascar comecei a correr de carros esporte (sports car racing). Acabei participando mais 7 anos, tive bastante sucesso, e cheguei em um ponto em que eu sentia algo dentro de mim – bem maior do que eu – me dizendo que era a hora de encerrar minha carreira como piloto profissional. Afinal, eu já não estava tendo aquela motivação de guiar. E com certeza eu tomei a decisão certa.
– Quais foram as suas maiores inspirações no automobilismo, além da sua própria família?
Meu pai e meu tio foram inspirações, mas ao mesmo tempo não foram. Porque eu sempre vi eles como pai e tio. Eu não conseguia enxergar eles como o piloto Wilson e o piloto Emerson. Para mim, o que existia era: “ah, oi tio, o que a gente vai fazer esse fim de semana?”. Então eu nunca senti que eu tive essa inspiração dentro de casa, porque eu sempre enxerguei eles como parte da família. Tendo dito isso, eu sempre tive muito apoio deles.
– Mas quais foram os seus maiores ídolos?
Sinceramente, nunca tive nenhum ídolo, nunca fui desse tipo de pessoa. Eu sempre acompanhei várias pessoas de sucesso, até mesmo para poder aprender com eles. E eu acho que isso me ajudou bastante durante a minha carreira inteira, e eu fico contente com isso: que eu pude ter essa inspiração em cima de outros pilotos, que definitivamente tiveram muito sucesso.
– Antes de começar a se envolver com as corridas e isso virar algo profissional, você tinha outros sonhos? De trilhar outras carreiras?
Eu acho que eu sempre fui voltado para o lado de esporte. Nunca tive um sonho específico como “se eu não for piloto, eu vou ser jogador de futebol”. Mas acho que, de uma maneira ou outra, se eu não estivesse guiando, eu estaria me envolvendo com algum tipo de esporte, com certeza.
– Você já passou por diferentes modalidades dentro das corridas. Percebia uma diferença muito grande de competitividade entre elas? Qual foi a melhor experiência?
De tudo o que eu passei, definitivamente a que eu mais curti foi a Fórmula Indy e as corridas lá do esporte protótipo, que era o que eu estava fazendo nos últimos 7 anos. Tanto em uma como na outra tinha muita tecnologia envolvida nos carros, mas, ao mesmo tempo, o nível de competição era alto. Mas eu diria que tinha um modo um pouco americano, um pouco mais “laid back” [“descontraído”] de encarar todo o esporte. Tendo dito isso, não é que eles achem ou coloquem a competição como algo fácil, que não tem pressão nenhuma. É só um approach diferente que eu diria que todo americano tem em relação a, por exemplo, os europeus. O europeu é muito mais água e fogo, e eles encaram, na minha opinião, o esporte de uma maneira diferente do americano. Eu não notei muita diferença de competitividade, tanto na Europa como nos EUA. Mas eu definitivamente curti o meu tempo aqui nos EUA bastante.
– Então você se identifica mais com esse jeito americano de ver o esporte?
Acho que sim. Acho que tem até a ver com o modo de vida deles. Eles estão fazendo a bola girar todo dia, não pode parar, o show tem que continuar. Acho isso bem bacana.
– Qual foi a experiência mais emocionante durante todos esses anos de corridas?
Tive várias. No que diz respeito a resultados expressivos, que definitivamente fizeram diferença na minha carreira, foi quando eu fui campeão de Fórmula 3000, antes de ir para a Fórmula 1. Também teve o meu primeiro ponto na F1, que foi no Japão em 1992. Quando eu terminei em segundo lugar na corrida de Indianápolis, em 1995 – quase ganhei a corrida na minha primeira tentativa, isso para mim foi muito grande. Quando ganhei em Daytona as 24 horas pela primeira vez também me marcou muito, porque eu sabia que estava chegando no fim da minha carreira, e era algo que eu queria tentar fazer de qualquer jeito (ganhar aquela prova pela terceira vez). E a gente conseguiu.
– Apesar de ter batido poucas vezes, sua carreira ficou um pouco marcada por esses acidentes. Depois que eles aconteceram, você pensou em parar de correr em algum momento? Ou já via isso como parte do processo?
Com certeza, isso é parte de você praticar um esporte. Há riscos, sem dúvida nenhuma. As competições de carro têm um certo risco. Mas eu acho que, acima de tudo, você tem que estar bem com você mesmo, você tem que estar bem de cabeça. Se você acha, logo depois do seu incidente, que você ainda está bem – ou no máximo quebrou um braço, e você sabe que em 30, 40 dias você vai estar bem, de volta dentro do carro. Se você achar que você realmente quer fazer aquilo de novo, eu sinceramente não vejo problema nenhum. O problema é quando começam a surgir as dúvidas: se elas insistem muito, você definitivamente devia começar a pensar em fazer outra coisa.
– E essas dúvidas passaram pela sua cabeça?
Eu não acho que foram dúvidas fortes, mas eu também não vou negar que tive. Acho que passaram flashs dessas dúvidas. Afinal de contas, ninguém gosta de sofrer. E às vezes, junto com os incidentes, principalmente das poucas vezes em que me machuquei, vem todo o sofrimento. Daí você acaba se questionando: “nossa, será que valia mesmo a pena eu estar fazendo isso?”. Mas é como eu tinha dito antes: acho que, se você estiver com a sua cabecinha em ordem e realmente estiver motivado para continuar, os incidentes que você tem no meio do caminho, sinceramente não vejo como um problema.
– Por que decidiu se afastar agora? Quais são seus planos?
Porque chegou um belo dia em que eu não tinha aquele interesse que eu sempre tive para guiar um carro de corrida. Eu falei: “eu preciso parar agora, enquanto estou 100% bem”. E, mesmo porquê, não vejo sentido nenhum em você continuar fazendo uma coisa que você não está motivado. Mas, quanto aos planos para o futuro, o que vai acontecer comigo daqui a 10 anos, eu sinceramente não sei. Eu estou bem hoje em dia e estou tentando levar um dia de cada vez.
– Mas você pretende seguir dentro do automobilismo?
Sim, já estou fazendo coisas aqui nos EUA. Eu parei de guiar, mas continuo ativo, indo para todas as corridas. Mas é numa dimensão diferente do que pilotar, e eu pretendo fazer isso até o dia que eu não estiver mais motivado. Eu gosto de assistir corridas, gosto das pistas. As pistas foram definitivamente grande parte da minha vida inteira. E eu sinceramente gosto de estar no meio delas. O dia que realmente essa vontade e motivação passar, pode ter certeza que vou inventar outra coisa para fazer da minha vida. Posso ir pescar, por exemplo. Não tenho ideia do quê, mas definitivamente vou inventar outra coisa para fazer.
– Pretende vir para o Brasil de novo em algum momento?
Acho que em algum momento sim, mas agora eu não tenho plano nenhum. Em algum momento, definitivamente sim.
– Qual o momento mais feliz que você teve durante toda sua carreira?
Quando a minha filha nasceu. Agora ela tem 9 anos. Mas profissionalmente falando, acho que aqueles três exemplos que eu dei: foram muito marcantes na minha carreira. Fórmula 3000, Indianápolis em 95 e a minha terceira vitória na prova de Daytona.
– De quantas equipes você já participou? Qual você gostou mais de se envolver até hoje?
Uau, não sei. Afinal de contas, se você parar para pensar que eu estou fazendo isso desde 1981, são muitas delas. Acho que tive uma experiência muito boa lá na Newman/Haas Racing, quando eu corri de Fórmula Indy. Eu estive com eles de 1996 até 2002. E eu diria que a Action Express Racing também: estive com eles de 2011 até 2019.
Por: Lígia de Castro
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