Do banco à oficina
Agda Oliver deixou emprego em agência bancária e abriu oficina mecânica para mulheres na capital federal.
Não é nada comum ouvir falar de uma oficina mecânica cujo público-alvo são mulheres e que o próprio atendimento é realizado por mulheres. Mas raridade não quer dizer inexistência total, como demonstra a QNM 9, de Ceilândia Sul, bairro de Brasília (DF). A região abriga vários estabelecimentos especializados em reparos automotivos, com destaque para a majestosa “Meu Mecânico – A Oficina da Mulher”.
Ao criar seu negócio, a proposta de Agda Oliver, 41 anos, era fazer com que mulheres se sentissem acolhidas na hora de buscar uma oficina. Essa ideia surgiu em 2008, quando adquiriu seu primeiro veículo, e a partir de experiências desagradáveis ao ter de realizar manutenções nas quais alguns componentes eram alterados sem necessidade.
“Sempre que eu me dirigia até uma oficina, acabava frustrada. Eu nunca era bem atendida, nem me explicavam o que estava sendo feito. Teve um dia em que eu fiz uma revisão no meu carro, e achei o valor muito alto. Então conversei com alguns amigos, e eles me pediram a nota fiscal dos serviços. Um dos meus amigos percebeu que estavam inclusas peças que nem existiam no carro. Uma delas era o filtro do ar-condicionado, sendo que meu carro nem tinha ar-condicionado”, conta Agda.
Aborrecida com a situação, a então bancária resolveu que, a partir dali, passaria a entender de mecânica. Por isso, dedicou-se a fazer cursos profissionalizantes e a estudar o funcionamento do motor e sistemas.
“Eu não conhecia nada de carro; achava que era só abastecer e pronto. Era feliz o resto da vida, sabe? Mas não. Na verdade, quando eu comecei a estudar o assunto, foi justamente para conhecer o meu carro, para que quando eu fosse a uma oficina mecânica eu entendesse exatamente o que o profissional estava me passando. O início não foi com interesse em trabalho, mas me apaixonei pela área automobilística surgiu quando eu realmente me aprofundei no tema.”
Revisões para mulheres em um local seguro
Naquela época, Agda trabalhava em uma agência do Itaú havia quase uma década, mas na medida em que ampliava os conhecimentos em mecânica automotiva, ela via despertar a vontade de empreender em um negócio onde outras mulheres não precisassem passar por todos aqueles transtornos.
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“Eu pensei em todas as mulheres habilitadas que dirigem na cidade, mas não existia nenhum atendimento direcionado a elas. Foi assim que veio aquela luz: será que uma oficina para mulheres daria certo?”, recorda.
Entretanto, Agda não contava com amigos ou familiares em quem pudesse se espelhar para iniciar a nova empreitada. A ex-bancária conta que a vontade de ter a própria empresa já existia, mas até aquele momento ela não sabia qual ramo seguir.
“Eu sabia que eu queria ter algo para mim. Queria ser dona do meu próprio negócio, criar meu próprio tempo, fazer o meu salário. O meu sonho era esse. Mas eu trabalhava em um banco conceituado, era um emprego sólido. Então, a ideia sempre ficou para depois. Já pensei até em entrar no varejo e abrir uma loja de roupas, mas a ampla concorrência me desanima. O que eu nunca imaginava lá atrás era mexer com carros.”
Enfrentando o machismo logo nos primeiros passos
Após romper a barreira do conhecimento automobilístico, Agda começou a analisar a ideia de maneira mais profissional, fazendo pesquisas de mercado e observando a concorrência que ainda é dominada pelos homens.
“Eu fui conversar a respeito da ideia com o meu esposo, que na época era meu noivo. Ele falou que não queria de jeito nenhum, que o negócio nunca daria certo porque oficina mecânica não era lugar para mulher e que eu tinha um emprego bom há anos. Ou seja, a princípio, ele foi totalmente contra, mas eu não conseguia tirar esse plano da cabeça, e voltava a puxar esse assunto com frequentemente”, discorre.
Como diz o ditado, água mole em pedra dura tanto bate até que fura. A ideia de montar a Meu Mecânico era tão fixa que o então noivo de Agda fez uma sugestão.
“Ele me disse assim: ‘Já que você quer tanto isso, então procure o Sebrae e apresente uma boa proposta. Se eles te apoiarem, eu também vou apoiar. Caso contrário, você desista dessa loucura’. E assim o fiz. Falei do meu sonho, dos meus objetivos, apresentei minhas pesquisas de mercado e expliquei o quanto acreditava que seria um bom nicho.”
O que o noivo não esperava era que o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) iria se encantar com a proposta. Um consultor passou a fazer análises e tirar dúvidas em conjunto com Agda, iniciando um planejamento e mapeamento. Nesse processo, que durou entre 2008 e 2010, Agda foi a campo realizar pesquisas mais concretas que indicassem se mulheres comprariam o serviço.
Paralelamente, a futura empresária seguiu com o curso de mecânica, entrou em um curso técnico de gestão empresarial e ainda passou a estudar plano de negócios no Sebrae. O sonho finalmente se tornou realidade quando, em abril de 2010, a “Meu Mecânico – A Oficina da Mulher” abriu as portas pela primeira vez, e com grande apoio do não mais desconfiado esposo.
Com o empreendimento funcionando há 12 anos, Agda explica que as mulheres realmente abraçaram a ideia, e que 70% do público que frequenta a oficina é composto pelo gênero feminino. Por outro lado, vale destacar que os 30% restantes formam uma parcela considerável de homens que confiam nas mulheres do estabelecimento para o cuidado de seus veículos.
Além do atendimento, consultoria, inspeção orçamentária que são inteiramente realizadas por mulheres, Agda conta com Sheila Alves, de 38 anos, em seu quadro de funcionárias como uma de suas mecânicas. De acordo com a proprietária, há 6 anos Sheila “coloca a mão na graxa” e faz sucesso entre as clientes pelo seu excelente trabalho.
O desafio de se manter atualizada no ofício
Com o aumento da frota de veículos importados e nacionais, diferentes modelos chegam para as revisões e reparos na oficina diariamente. Assim, não há outra maneira de se manter atualizada a não ser por meio do estudo constante.
“O desafio é se atualizar com os cursos, workshops, feiras, e ter sempre máquinas e equipamentos que atendam o mercado e as novas demandas. Felizmente, isso não tem sido um problema para nós”, orgulha-se a dona da Meu Mecânico.
Agda finaliza contando quais são, para ela, as características primordiais de uma mecânica de qualidade e que tornam seu negócio um empreendimento único.
“A honestidade deve vir acima de tudo e é preciso amar verdadeiramente a profissão, priorizando a experiência, pontualidade e o compromisso. Um mecânico ou mecânica que esteja aberto a novos aprendizados e desafios são os que fazem a diferença. O profissional deve entender as queixas do dono do veículo e tratar esse problema como uma prioridade”.
Esta reportagem também encontra-se disponível na Revista Reparador S/A – Edição 01. Leia o material completo!
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